Acordei de um pesadelo. E não foi com despertador, não foi com gente gritando na porta e nem a roçadeira no vizinho gritando um mau educado bom dia. A chuva parou e eu abri os olhos.
Bocejei um alívio de dez anos perdidos, um alívio de dez anos vividos e dez dilúvios chorados por meus olhos. Me espreguicei pois a preguiça jazia morta e vazia nas entranhas da minha solidão, eu estava me movendo e vivo, levantando da cama e sorrindo.
O café estava pronto e me convidou a sair do meu quarto, enquanto eu andava pela casa reconhecia que não me conhecia mais tanto. Parecia que eu visitava um lugar desconhecido, mas eu era abraçado pelo meu conforto. Percebi que voltei a ter carinho pelo meu ninho e que eu estava feliz comigo mesmo por ser simplesmente eu. Não por arrogância ou egolatria, era eu mesmo pois estava vivendo para mim.
Olhei na agenda para ver quantas festas eu tinha perdido, quantas viagens desmarcadas e quantos amigos esquecidos. Jantares, almoços, cinemas, pedaços de mim frios pela sombra do cativeiro. Havia me sequestrado por um amor antigo e tentava conseguir meu pagamento pelo resgate. E a minha liberdade custava tão pouco. Um gesto singelo, um sorriso e uma conversa e eu estava livre.
Andei pela calçada me acostumando com o abraço do sol, o calor esquentando minha alma mas ainda escaldado pelo frio da solidão. Uma gota caiu de um ipê nas minhas costas por dentro da camisa. Eu ainda me lembraria das marcas, não conseguia correr pela cidade, minha euforia contida. Apesar de eu ver ao longe algo tão bonito, que me chamava e pedia um abraço, meus pés ainda estavam dormentes e o rosto inchado pelo veneno.
Que horas são? Não tinha mais noção do tempo, e só queria ficar mais um tempo contemplando aquela visão. Olhos tão claros em que eu podia me perder como num lago límpido, um sorriso tão arrebatador que sentia invadir minha alma e a distância no meio. Uma ponte, uma escada, um abismo que eu não podia pular. Não ainda.
Apenas a chance de poder sonhar me deixava feliz.
Eu estou vivo.
Nossa, um tema muito interessante. Muito mais alto astral! :D Ainda poético, ainda romântico, ainda marcado por um passado.
ResponderExcluirBeijos!
Ana