18 de março de 2010

Áries



Passei pela porta, meio aberta, o som vindo do fundo do quarto, lá de trás da cama, bem longe.

Era uma música, que falava de tristeza e alegria. Verso e prosa latente, contando uma história conhecida. Talhando nota por nota, cosendo ponto por ponto, brotando pétala por pétala aquela conhecida sensação. Arrepio, frio, suor, excitação. O conhecido do desconhecido do que já provei e um dia senti, tão íntimo quanto meu próprio pensar.

Me peguei rindo, me peguei ligando, me peguei brincando com a memória. E livre e leve, a brisa me puxou, me balançou, me sacudiu.

Minha história não está do avesso, não acabou mas já tem final feliz. A cada curva uma nova surpresa, um novo atalho, um outro sorriso.

Motivos teremos, razões buscaremos, na areia desenhando, na poesia acontecendo, no som da dança de cada brincadeira.

Apenas começamos.

17 de março de 2010

Tranquilidade


Finalmente estou de volta.

Sabe as vezes quando você abre a geladeira mas está com alguma coisa nas mãos que não pertence definitivamente à geladeira? Eu me senti assim por um tempo. Muitas vezes.

Você disca o número tão rápido que depois do 2º toque você não lembra pra quem está ligando, já aconteceu? Pois é.

É a mesma coisa de quando você se depara com uma placa, uma calçada ou uma casa nova no caminho que você sempre pega pra ir pro trabalho. Mas há quanto tempo faz isso?

Eu já não tinha noção.

Me encontrei comigo mesmo, tomei aquela breja no bar,batendo papo sem olhar a hora, rindo e abraçando, chorando e gritando, rolando no chão e lembrando da minha própria história.

Me senti o meu pai dando cascudo, me dizendo, me contando e me apoiando. Apesar de ele não estar aqui agora, ele está aqui de qualquer jeito.

Agora entendo o conselho dos mais velhos. Agora entendo os conselhos. Agora entendo.

E com a mesma calma que eu não tive, eu tenho agora, e com a brisa eu comento: eu só quero ver o vendaval passar.

Porque eu já estou pronto pra mais uma.

10 de março de 2010

Blumenau




Eu gosto de escrever. Descobri de novo esse meu jeito, esse meu gesto de expressar coisas que talvez não tenham como ser expressas ou ditas. Mas a gente tenta.
Não sei pra quem escrevo, não sei quem é você que lê, neste momento. Simplesmente quero registrar esse meu sentir, nem que seja somente eu e as paredes azuis do meu quarto.

Pois uma lembrança me assaltou. Veio como um assaltante ao virar a esquina, e eu estava tranquilo ouvindo meus próprios pensamentos quando eles gritaram de repente. E não foi pra dizer: Cuidado!

Há tempos não via essa amiga, essa companheira, essa conhecida: as memórias mais profundas. Eu até estranho o seu formato. A sua sombra. O seu rosto.

O que me lembro é tão vívido, e vem com o frio na barriga. Aquele mesmo frio
que ela me disse certo dia que não sentia mais, que não sabia mais o que era, nem de onde vinha. Associo: será que é de agora ou daquele tempo? Não acho resposta, pra falar a verdade, nem sei se quero encontrá-la.

Vejo tudo de novo. O ônibus escuro, pois já era a noite, e nosso dia juntos havia terminado. O aconchego pedindo espaço no cansaço, a falta batendo papo com a saudade que já despontava. Mesmo que ela ainda estivesse ali, no alcance da minha vista, na plataforma da rodoviária, com seu jeitinho meigo, com sua idade tenra, meio sem jeito. Quando ainda era menina, ainda sonhava e amava, quando ainda era minha. Uma menina que ainda não era mulher. Risonha, cativante, tímida e minha.

O aceno não parava. Como se acenar mais e mais forte fosse segurar o tempo pra que a gente ficasse se vendo por mais um pouquinho. Os olhares ligados, o coração explodindo. Eu sabia que ia demorar muito tempo pra vê-la de novo, eu não queria ir embora. Eu não queria partir, como agora.

As luzes da rodoviária ficando pra trás, sendo a minha vontade do avesso, se distanciando mais rápido enquanto eu queria demorar.Meu olhar vagando a cidade que eu conheci por um dia, em instantes tão marcantes, tão profundos. O que o que sei daquela cidade é o que eu conheço dela. No seu sorriso, no seu andar, no seu lado.

A saudade que me perseguiria nas semanas longíquas, durante as horas no nosso bate-papo, entre os estalos das risadas no telefone, na saudade, na lembrança, na memória.

Lembro que naquele momento eu queria parar o ônibus, mas sabia que não podia. Eu podia me jogar na sua frente, mas ele não ia parar. É como agora, eu quero me jogar na frente, impedi-lo, pará-lo, mas ele vai passar por cima, me destroçar.

Eram 2 horas de viagem, mas os dias já passavam por mim trazendo o peso da saudade.Meu disc man barato e as músicas de amor que me acompanhavam nessa viagem marcante. Poucas viagens que marcaram minha vida. E continua, marcando, dia após dia.

Um dia lindo, um passeio maravilhoso.

Qualquer dia eu visito Blumenau.



UPDATE: corrigi alguns erros e arrumei algumas coisas. Estava emocionado na hora do post.

8 de março de 2010

Por um fio



Nos deitamos mais uma vez, lado a lado, olhando bem de perto, nosso olhar refletindo distância alguma. A voz como um sussurro querendo contar um segredo.

Sua pele ainda está no meu travesseiro, um fio de cabelo seu engasgado em minha garganta, o seu cheiro dormindo abraçado no meu sonho.

Li um livro pra você, li um dia inteiro na sua memória, li uma história pra se repetir.

Inconsciente busquei o toque, inconsciente mostrei sem fazer nada, acordado enquanto sonhava o beijo que surgiu.

A paz só surge quando não tememos mais a guerra. O amor é guerra, é paz e ódio, os extremos de nossas emoções mais íntimas. O prazer que nos condena.

7 de março de 2010

Quase obrigado


Me sinto impelido a escrever.

Quase obrigado.

O que dizer de um dia que acontece e não nos deixa vestígio? Ou mais, de um dia vago que passa veloz, não pela ausência de fatos, mas pela satisfação exagerada que exala?

Pode ser esse o meu domingo. Pode ser essa a minha vida. No olhar, na retina, meu precioso instante.

Te abracei por dentro do inverno, de longos dias distantes que passaram. Te abracei com afeto, sem nenhuma interferência de um rádio cantarolando músicas do nosso passado. Te abracei com carinho, pois ainda lembro dos teus caminhos, e sei onde posso chegar.

Pois quando te vejo e sinto tua voz, mesmo rouca e quase inaudível, eu quero te tocar, eu sinto o desejo, algo me empurra. E eu tenho que te abraçar.

Quase obrigado.

Você me diz que não sente, mas não consegue desviar o olhar.É uma gota inocente de choro, é um risada esganiçada na sua gozação, é um tique nervoso que passa batido. É o gesto e não sua palavra. Eu não preciso mais de palavras. Mas tenho que escrever, preciso, quero.

Quase obrigado.

Eu penso se não é carência, eu racionalizo se não é costume, se o desejo é puro e a vontade plena. E você percebe que há um cisco aí, um cisco safado que não quer sair. Pois eu ainda gosto do gosto do teu beijo e você sente o mel quando prova o meu sabor.
Depois de tudo, você vai embora.

Me deito sozinho,penso sozinho. E por você ter vindo me dar um pouco de sua vida eu preciso te dizer um quase obrigado.

5 de março de 2010

Insônia


Porque amor, porque agora e porque assim? É sem querer, é querendo o não querer ou vivendo do avesso que vou te entender?
Não consigo falar, não consigo dizer, as palavras são anzóis puxando o fio do que resta do meu raciocínio, e mesmo com os pés na mesa e as mãos na cabeça eu não pareço nem sou mais esperto.

Rabisco um pouco a folha em branco. E mesmo lá, tudo branco, fundo branco, cor e letra preta, não está lá.
O que será? Cadê você? O que é você?

Apago a luz, acendo a cabeça,desligo o coração. A brasa queima e arde, a luz expande e o som ecoa. Pulsa, pulsa, quer sair, quer falar e dizer. Mas eu só deixo nas palavras, pode se esconder nos meus dedos, mas não no fundo da alma.

Por favor, não. Daí é sacanagem.

Mostrou um olho, mostrou um dente, um beijo quente e ardente, foi pro papel. Amasso a folha e jogo no lixo, penso no que foi embora, no que foi pro lixo. Mas a dormência no cotovelo continua, ainda não me livrei de nada. Não apaziguei minha calma, não estirei as pernas na cama e dormi à vontade.

Eu posso tentar dizer, eu posso tentar escrever, mas o que sinto não é isso. Quando o coração fala a cidade pára, o destino se apresenta e coloca a chave debaixo do tapete.

Quem é que vai entrar pela porta?

Domingo em casa


No momento de tristeza tudo é uma agulha. Tudo é tremor, e não arrepio.
O uivo do vento já não acaricia, apenas sussurra. A angústia é irmã-prima da felicidade que disse que voltava depois de buscar o café, o mesmo café amargo que me queima a garganta e arranha os ouvidos no gemido das horas.
Ela foi e não prometeu voltar, nem deixar a porta aberta, nem deixar a agenda aberta, nem deixar o telefone livre.

O pior do arrastar das horas não é o tempo gasto, o tempo perdido, o tempo passado, são as marcas no chão. O arrastar das correntes, por carregar coisas pesadas pela sala. Eu tentei mudar a mesa de lugar sozinho, mas o piso marcou. Desculpe, meu bem.

Ainda sinto o cheiro do café pelo quarto.

Pela janela o dia de hoje é igual ao daquele nosso dia, só que água não vem do céu, brota dos meus olhos e escorrem pra debaixo da cama. A cama desarrumada, as cartas amassadas, as memórias atrasadas, o livro de nossos dias.

O sabor amargo, o resto de beijo correndo pela boca, querendo acontecer, e o café que não vou tomar do seu lado.

Ainda olho pra porta e não consigo sair, não saio pra rua,não saio na estrada,não saio na chuva, porque a estrada é longa e fria, por enquanto não quero mais me molhar, não quero sair.

Já sou intruso de mim mesmo, por não saber onde estou.